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O GUARDIÃO DA HISTÓRIA

Publicado em 11 de Junho de 2019 ás 14:16

Sapezal tem uma parte da sua história que foi preservada graças a um cidadão comum. Ou melhor: um cidadão fora do comum. Ele não é museólogo, nem paleontólogo ou antropólogo. Nem mesmo professor de história. Se for para defini-lo pela profissão, a qualificação mais pomposa seria “transportador de material comburente”... hora transportando madeira, hora entregando gás.

Mas classificá-lo pelo ofício é uma simplificação injusta. Afinal, foi por hobby que ele deu sua contribuição para preservar a história de Sapezal.

Nivaldo Bertotto era o filho caçula de uma família com oito irmãos, que vivia em Caçador, uma cidade no interior de Santa Catarina. Em 1953, um vendedor ofereceu para o seu pai terras no Oeste de Mato Grosso. Sem nunca ter visto a área, o pai de Nivaldo comprou 2.839 hectares – afim de garantir, no futuro, um pedaço de terra para cada um dos filhos. O patriarca acabou falecendo sem conhecer a terra que comprou, tomado por um câncer.

A vastidão de terras não foi suficiente para convencer os filhos mais velhos a migrar para Mato Grosso. Medo de onça, de cobra, de índio e sabe-se mais do que, fez com que os irmãos de Nivaldo desistissem da propriedade adquirida tão longe pelo pai. Mas o caçula não esmoreceu.

Em 28 de junho de 1978 Nivaldo embarcou na F-4.000 e percorreu quase 2.500 km até chegar nas terras adquiridas pelo seu pai. Ele tinha 29 anos e, mesmo hoje, com 70, lembra das manobras que precisou fazer, entre trilhas nos seringais para chegar até Sapezal.

Quando chegou, não sabia ao certo onde estava. Haviam apenas três famílias estabelecidas, na região. Ele contratou um agrimensor para localizar a área adquirida seu pai e tratou de efetivar a posse. Estabelecido, começou a transportar madeira de Tangará da Serra pelo para onde hoje é Sapezal.

Em uma dessas viagens ele reparou nos postes que sustentavam uma rede. Imaginou que fossem fios de energia elétrica, mas logo foi informado que se tratava das antigas linhas do telégrafo instaladas por marechal Cândido Rondon. Quem explicou foi o padre Arlindo de Oliveira, que passou 50 anos na missão do Utiariti, e viria a se tornar um amigo próximo de Nivaldo.

Um dia o motorista de caminhão que puxava toras resolveu parar próximo a linha do antigo telégrafo e levar um pedaço daquela história consigo. Cabos, peças de sustentação e até um pedaço do posto foram carregados por Nivaldo.

Um dia o padre Arlindo contou a história para Nivaldo, dizendo que ali, próximo a missão jesuítica, havia sido estabelecido um acampamento do marechal Rondon. Foi o suficiente para instigar sua curiosidade. Nivaldo começou a procurar por objetos que poderiam ter sido esquecidos há mais de 70 anos. Encontrou os vestígios do acampamento, com xícaras, pratos e outros utensílios de uso pessoal. De dentro do rio ele resgatou um cubo de bronze que, muito provavelmente, era parte de uma das carroças da comitiva de Rondon. “Eu cheguei a mergulhar no rio procurando a carroça que o padre dizia ter sido deixada para trás pelo grupo do Rondon”, conta Nivaldo.

Ele acabou encontrando um segundo cubo de bronze, o miolo da roda da carroça e os aros de metal. Acabou virando uma obsessão.

Quando não estava trabalhando, Nivaldo passava procurando vestígios da história antiga de Sapezal. Entre os “tesouros” que garimpou está um facão e um revolver Colt 45, que ele acredita ter sido deixado para trás pela comitiva do presidente americano Theodore Roosevelt, que passou pela região em 1914.

O fascínio pela história local só aumentou. Nivaldo guardava em sua casa tudo o que recolhia e sempre estava em busca de mais objetos de relevância histórica. Porém, em 1984, a história de Nivaldo não foi respeitada. Em uma determinação governamental, parte das terras adquiridas pelo seu pai acabaram sendo integradas a uma área indígena. Sobrou para Nivaldo e seus sete irmãos 940 hectares. A terra a perder de vista virou nada.

Nivaldo continuou transportando madeira. “Em 1986 o André Maggi comprou uma fazenda onde hoje é Sapezal. Naquela época ele já dizia que ia construir uma cidade”, lembra Nivaldo.

Por várias vezes André convidou Nivaldo para “pegar” um terreno na sua nova cidade. Mas Nivaldo não achava que o projeto ia dar certo. Em dado momento, o fundador chegou a oferecer um terreno de graça para Nivaldo, com uma única obrigação: a de construir. O caminhoneiro recusou, mas não virou as costas. Ele continuou exercendo seu papel de vigilante da história.

Quando André Maggi faz a solenidade de lançamento de Sapezal, em 1989, Nivaldo se fez presente. Não apenas como expectador, mas como “historiador”. Assim que voltou para casa ele escreveu os discursos e tudo que foi dito no ato. A cópia existe até hoje. “O seu André me chamou e disse que ia construir uma cidade. Em 15 dias já tinha as primeiras ruas abertas. Ele sempre dizia: você precisa acreditar que algo de bom vai acontecer nessa região. E aconteceu”, conta.

Nivaldo também preserva uma das histórias mais bonitas do tempo da fundação. Em 1995, André Maggi mandou plantar várias mudas de árvores no canteiro central. Seu pai, Antônio Maggi, estava por perto e foi convidado a plantar uma muda. “Ele escolheu um fícus, escolheu o lugar e plantou. Eu estava junto. Depois de plantar, seu Antônio disse para o André: não deixa ninguém podar. Essa árvore será grande, com uma sombra boa, que vai ser o ponto de encontro das pessoas”, recorda Nivaldo. E, de fato, hoje o fícus plantado por Antônio é o ponto do chimarrão e do tereré em Sapezal.

Naquele mesmo ano Nivaldo comprou um terreno e montou uma distribuidora de gás de cozinha. Ele entregava os botijões de bicicleta. Mesmo no novo ofício ele continuou recolhendo e preservado a história local, seja com objetos, documentos ou narrativas.

Nivaldo acabou montando, sem saber ao certo, um acervo particular digno de museu.

Anos depois Nivaldo doou parte dessa coleção para o município de Sapezal. Essas peças hoje são guardadas na biblioteca municipal, em uma sala chamada João Bertoto – pai de Nivaldo, um dos primeiros a comprar terras em Sapezal mesmo sem nunca ter pisado nelas. O espaço funciona como um pequeno museu, permitindo que as atuais gerações vejam, sintam e toquem nos pedaços da história de Sapezal.

E tudo isso só é possível porque um homem, nada comum, decidiu guardar a história.

 

Dados do Município

SAPEZAL

Sapezal está localizada no interior de Mato Grosso, distante 509 km da capital Cuiabá, região Centro-Oeste. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2020, sua população é estimada em 26.688 habitantes.

A cidade possui a 11ª maior economia do estado, com PIB (Produto Interno Bruto) dos Municípios de R$ 2.516.823.700 (aproximadamente R$ 2,51 bilhões).

O município é um dos principais produtores de algodão do estado. Dados de 2018 do IBGE apontam para uma área plantada de 168,2 mil hectares (ha), com 756,9 mil toneladas colhidas. A soja também se destaca, com plantio em 355 mil ha e uma produção superior a 1,23 milhão de toneladas. Além destas, outras culturas também se destacam na produção de comodities, como milho, girassol, arroz e feijão.

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